Sunday, October 11, 2009

Olhos Azuis

Foi a última vez que vi aqueles olhos azuis.
Não concebia aceitar que toda a beleza daquelas íris, e a tranquilidade que de alguma maneira elas representavam, iria se apagar.
E passou, como passam as estações.
Os olhos se fecharam, os sentidos, sentimentos e o sofrimento passaram.
Chegou a primavera.
Ela certamente é uma flor, azul, que também, não demorará a murchar.
E renascerá sob outra forma, quase que sempre, quando alguém dela se lembrar.
A minha única dor é saber que não posso ver mais aqueles olhos...

Tia, descanse em paz.

Saturday, August 29, 2009

Na sala de espera do dentista

- Vou exterminar o mundo, veja minhas bombas! - bradou o menino, com os legos sobrepostos.
- Se você exterminar o mundo, não vai mais existir também - alertou o homem que me acompanhava.
- Claro que vou, sou o Homem Invisível!
- Mas e sua mamãe, como ia ficar? - indaguei, tentando fazer o pequenino "refletir sentimentalmente".
- Ia ficar morta - respondeu ele, voltando os olhos para as pecinhas filosóficas.

Monday, July 13, 2009

Transcrição não fiel de um dia desses

Jul/09

Nesta folha, apanhada no banheiro do hospital, registro aquilo que preciso que seja dito, expelido, expulsado.
Minha vida é quase uma vergonha, de tão insignificante, confrontada e espremida por tantos corpos perecíveis que dividem o espaço comigo, e são alheios, aversivos a mim.
Meus olhos, fatigados, inchados, tão apáticos, nebulosos, quando os fecho, veem as muitas imagens embaralhadas, e empileiradas nas estantes da memória - lá, o pó das dores, de tudo que pude ser e não fui, de toda a minha estranheza com o que sou, arde-me o nariz.
Acho que quem conta histórias assim como eu, morre um pouquinho para a vida. A representação não reporta com fidelidade a vivência. E quem, como eu, escreve, esquece um pouco do que é real.
Mas escrever, meu amigo, é minha prece, compreenda.
Quando deito na (apagaram a luz do hospital, escrevo no escuro, nem sei se escrevo).
Dormi. Sonhei que flutuava, girava em distintas direções.

Sunday, May 24, 2009

Acidental

"Me lembro de você, e de tanta gente que se foi. Cedo demais."

A vida é frágil.
Disse um sensacionalista, não vale o botão de sua camisa.
A gente sabe, a gente sabe, viver é ironia.
Dá pra sentir o gosto amargo no dom de ver com todo o ser: dói.
Cada passo segue uma direção que não se sabe.
E há atalhos, há detalhes no caminho, há risos, há desejos, há sonhos, há um corpo, há um sonho perdido, há um escuro infinito, há um corpo frio.
A inexistência. A insignificância. O não existir. Não ser, não sentir, não pensar.

Meninos, não acelerem a passagem de vocês pela vida.
A velocidade é traiçoeira.

Wednesday, March 18, 2009

A cada ano...

Ontem (17), mais um ano de vida.
Um ano ansioso, dias empurrados à força, algumas novidades deliciosas, outras doídas.
O existencialismo versus a realidade de ser.
Preocupação, kg a menos, às vezes a tristeza de tudo parecer errado.
Mas também o amor, a constância, desejo liquefeito, a mão para seguir.
O carinho de mãe como se ainda eu fosse a criança de 19 anos atrás...
Os micro-sentidos, o ponteiro do relógio, o sol, o trânsito, uma cama para os dias frios, comida e roupa limpa depois dos estudos e do dia cansado de trabalho. O sono, o meu refúgio letárgico. A esperança de tudo parecer melhor, a cada dia...

Friday, February 13, 2009

Percebo que os gestos são todos programados, vc acorda cansado do dia todo por vir e das pessoas com as mesmas expressões "sublimes", o sorriso mentiroso e alegria burra de mais um dia. De mais um dia não vivido.
Eu quero dançar valsa na chuva, namorar numa mata (uii), rir e pular, correr, me despir para o sol, me encantar com as cores.
Abraçar travesseiro... procurar uma estrela. Lembrar de alguém com amor.

Chuva, ar-condicionado, roupa de frio, cansaço e tédio.

Wednesday, February 04, 2009

Escrevendo a dois

Hoje parei pra rever e-mails.
Como não há nada de legal para escrever, minha cabeça está cheia de problemas, e eu neeem quero fazer explosão emocional, vou transcrever um texto, uma história, estória, conto, sei lá o que é, foge à lógica e a tudo de normal desse mundo. Mas o que importa é a experiência vivida: tirar um tempo do dia (mesmo tendo muitas tarefas, tanto eu quanto ele), tentar criar algo que possa interagir com o que o outro pensa, traçar uma trama e esperar que a pessoa do lado de lá dê ênfase, ou mude tudo, leve pra outro lado... enfim, foi meio maluco. Acabou sem decreto, apenas por falta de ... nem sei.
O mais engraçado é que nunca tivemos uma conversa... normal.
E nem nos conhecemos... direito.

Hortêncio* virou literatura. Era maleável como um folha de papel molhada. E numa folha pode caber o infinito e um pouco mais. Ele dizia que isso o excitava e o fazia pular freneticamente com suas tranças azuis. Era um rapaz curioso, e pensava em coisas muito esquisitonas. Seus braços já não eram aqueles do nascimento: tinham sofrido mudanças significativas depois de sua saga a um Universo muito próximo. Agora estava planejando algo revolucionário.

(...)

De fato, concluiu que o amor atuava como um acelerador do tempo. Quando sentia um tesão emocional, parece que o mundo se tornava leve como brisa; a boca se encancarava com os dentes para fora, e o peito inflava sôfrego. Era bom lembrar de seu nome e suas vertentes, afinal, havia dias que se encontrava em um local desconhecido, onde ninguém o chamava. Tampouco ouvia a própria voz, a não ser os urros que soltava por convivência com criaturas distintas. E, como um menino franzino, olhava-se da cabeça aos pés com ternura e dizia: "Hortenciozinho, Hortêncio, Hortêncio Ortiz... Amooor... Amooor!"
Quando retornou do devaneio à luz, o seu amigo imaginário já havia encontrado caminhos para vencer o jogo. Venceu, levantou os braços e sumiu; Hortêncio nem se importou. Não se importava com jogos! Pensava, deitado, reflexivo e calmo sobre a última vez em que sentira o amor tomar conta de si. Nesse momento, um fruto de uma árvore estranha caiu em sua barriga. Nunca havia visto fruto igual; pegou-o com destreza, e jogou-o ao ar três vezes. Depois segurou-o levemente, movendo-o de uma mão para outra, e pôs-se a dizer:
- É... é só o amor!


* Nome alterado, porque ele nem sabe que estou publicando isso. Não que se importasse. Ele é a pessoa mais excêntrica e tranqüila que já vi passar à frente de meus olhos.

P.S.: Acabei apagando a história, era muiiiita coisa. E ninguém ia ler.
Então, ficou essas partes desconexas. Mas que eu gosto, e as duas eu que escrevi, rs.

Tuesday, January 06, 2009

O Vereador Japonês

Era um morto de terno. De terno, o terno para sempre, com a diferença que agora a roupa maquiava-o de seu corpo dilacerado, despedaçado, multifacetado de tripas e sangue, prato dos deuses para os vermes - escondia o pinto murchinho pendido pra esquerda, e não mais sua falta de integridade.